A cirurgia que não é
Você sabe, está passando por isso. Se a gente não apanha do câncer, apanha do tratamento. Medicar a doença pode ser tão invasivo no nosso corpinho querido, o único que temos, quanto o próprio tinhoso que nele apareceu. A gente apanha na cirurgia, apanha na quimio, apanha na radio. Às vezes mais, às vezes menos, às vezes de todas, às vezes só de uma delas. Mas apanhar, apanha. Daí porque enfrentar o câncer é luta. Temos de reagir à pancadaria para botá-lo fora de combate, com disciplina e vontade, antes que ele nos mande a nocaute.
Quem me bateu mais no ringue do câncer foi a cirurgia e depois, a radioterapia. Perto delas, a quimio foi um cafuné. As duas me sequelaram geral. Nem vou descrever o tanto, porque você não terá tempo para ler. Mas foi muito. Se pudesse calibrar a dose, eu preferia que uma e outra fossem menos agressivas. Por isso mesmo, adorei conhecer uma especialidade médica que joga exatamente no meio de campo entre as duas e toca suave a bola para nós, pacientes. Eu ignorava que ela existia, não conhecia nem de nome, e presumo que você também não. Pois, então, seja bem-vindo à Radiologia Intervencionista.
Acompanhe a minha conversa com o Dr. Luiz Henrique de Oliveira Schiavon, um dos 17 médicos dessa especialidade no A.C.Camargo. Participou dela o Adão Boscolo, da comunicação e marketing do hospital, meu editor e parceiro nesta coluna. As traduções de termos técnicos são minhas.
Dr. Luiz, o que é a RI, radiologia intervencionista? O que ela significa para o paciente oncológico?
Ela é hoje um dos quatro pilares do tratamento. Tem a cirurgia oncológica, a quimioterapia, a radioterapia e a radiologia intervencionista. Muitos doentes que antes seriam submetidos a um procedimento cirúrgico, hoje passam para a radiologia intervencionista. E o que é ela? A gente utiliza os métodos de imagem que todos conhecem, como tomografia, ressonância magnética e ultrassom, para realizar procedimentos minimamente invasivos. São procedimentos através de drenos, agulhas, cateteres, os instrumentos menos calibrosos possíveis. A gente faz uma incisão da grossura de um lápis no doente.
Que procedimentos são feitos por RI?
Muitos. Por exemplo, os pacientes que são submetidos a cirurgias grandes, como uma hepatectomia (remoção de parte do fígado ou todo) ou uma pancreatectomia (idem, do pâncreas). Muitos deles complicam, apresentam abscessos, coleções intra-abdominais (líquidos acumulados). Antigamente, esses doentes eram submetidos a uma nova abordagem cirúrgica, o que aumentava o risco de infecções, complicações e morbidade. Hoje eles são encaminhados para radiologia intervencionista. A gente consegue passar drenos nessas coleções e, junto com a antibioticoterapia, o paciente é tratado sem precisar de uma nova cirurgia.
A RI, então, faz aquilo que pode ser feito sem cirurgia.
Sim. A gente realiza biópsias de nódulos pulmonares, nódulos hepáticos, lesões ósseas e outras, que antigamente eram feitas como biópsias incisionais, isto é, com operação. Além disso, conseguimos realizar algumas linhas de tratamento. Elas são muito específicas, mas têm eficácia muito próxima à da cirurgia. Pacientes que antigamente eram submetidos a ressecções de nódulos metastáticos no fígado ou no rim, sabidamente malignos, hoje são tratados com radiologia intervencionista. Usamos técnicas de ablação, termoablação, crioablação nesses casos (ablação é a remoção, vaporização, lascamento ou destruição de tecidos; pode ser feita também pelo calor ou frio). A eficácia é semelhante à do procedimento cirúrgico.
A grande vantagem da RI, então, é substituir a cirurgia.
A cirurgia e a internação. Além de toda a demora do procedimento cirúrgico em si, tem o pós-operatório. Às vezes são feitas incisões grandes, que acarretam um pós operatório arrastado, com dor, com risco de infecções, com pneumoperitônio (ar no abdomen), todas as nuances que esse período tem. Em contrapartida, durante um procedimento de RI, a incisão é mínima. A invasão do doente é mínima. Os riscos são reduzidos de maneira absurda e uma internação que levaria até uma semana passa a ser de 2 ou 3 dias, ou até de horas.
Algum exemplo disso?
O paciente que entrava no hospital para fazer uma biópsia pulmonar. Ele fazia uma toracotomia (abertura do tórax), tirava um pedaço do pulmão e a peça ia para a biópsia. No pós-operatório, esse doente ficava 4, 5 dias internado, para se recuperar do procedimento cirúrgico. Hoje ele entra no hospital, faz a biópsia por RI e, se nada ocorrer de complicação, ele sai no mesmo dia. Fica duas, três horas no hospital.
Como isso acontece?
O paciente faz uma sedação leve, entra na tomografia e a gente passa uma agulha nele, que chamamos de coaxial. É uma agulha-guia, que vai criar um caminho entre a pele e a lesão alvo. Essa agulha é oca por dentro. Por ela, passa outra agulha, ainda mais fina, que colhe os pedacinhos do nódulo. Com ela conseguimos acessar o nódulo com o mínimo de invasão do doente e de contaminação do caminho. Isso reduz o risco de sangramento e de disseminação de células neoplásicas, se o nódulo for maligno. Reduz também o risco de complicações como pneumotórax (ar no pulmão) e por aí vai.
E como funciona nos outros casos, que não o de pulmão?
Nós usamos aparelhos de ultrassom para fazer as biópsias de fígado e rim, e para fazer a drenagem de coleções abdominais. Passamos um dreno ali na região abdominal e tiramos uma coleção que esteja infectando, gerando dano para o paciente. Também passamos um dreno de nefrostomia, como chamamos, quando o paciente tem uma obstrução do rim por algum motivo. Pode ser um tumor, um cálculo, alguma coisa assim, que está criando uma hidronefrose (inchaço do rim), então é preciso tirar a urina retida antes que esse doente tenha perda da função renal. Guiados pelo ultrassom, a gente passa um dreno na pelve renal e desvia o fluxo da urina para uma bolsinha. O paciente mantém o fluxo de urina e tem a função renal preservada. Fazemos isso com ultrassom, que é um método de imagem bem simples, qualquer hospital no Brasil tem hoje um aparelho de ultrassom.
Outros exemplos?
Câncer de fígado. Os pacientes com nódulo hepático, carcinoma hepatocelular, não vão mais para a ressecção cirúrgica, se o tumor tiver até 3 cm. Vão para a ablação conosco. Isso já é consenso, porque a ablação por radiofrequência, por microondas, ela é tão efetiva quanto a ressecção. Não se justifica abrir o paciente. Outro procedimento igualmente efetivo é no osteoma esteroide, um tumor ósseo benigno, que dá em adulto jovem e em adolescente. Esse tumor é muito doloroso e geralmente aparece perto das articulações do joelho e da bacia. Os doentes apresentam uma dor absurda e operar a lesão é muito difícil, porque ela é próxima da placa de crescimento, no paciente adolescente. A ablação por radiofrequência já substituiu por completo essa opção. E também fazemos procedimentos paliativos, para controle da dor. Fazemos bloqueios, infiltrações intrarticulares para bloqueios de nervos que são responsáveis pela dor. Ou então fazemos a neurólise (destruição de nervos), química ou por radiofrequência, e o paciente para de sentir dor. Podemos realizar uma gama muito grande de procedimentos.
O radiologista intervencionista, então, é um especialista da radiologia que trata tumores de todas as outras especialidades médicas.
Exatamente. Ele precisa conhecer praticamente todas as especialidades. Precisa saber um pouquinho de neuro, para discutir com o neurocirurgião sobre uma vertebroplastia (injeção de cimento medicinal na coluna). Um pouquinho de hematologia, para um paciente com mieloma múltiplo. Precisa saber muito de anatomia, saber de trajetos vasculares, de complicações.
A Radiologia Intervencionista é uma especialidade muito rica em conteúdo e muito complexa. Mas, ao mesmo tempo, é muito empolgante você tirar um doente da cirurgia, tratar um doente que estava com dor. É uma especialidade que está sempre agregando novos procedimentos, crescendo, crescendo. Crescendo cada vez mais.
Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.
Fonte: A.C Camargo
Você sabe, está passando por isso. Se a gente não apanha do câncer, apanha do tratamento. Medicar a doença pode ser tão invasivo no nosso corpinho querido, o único que temos, quanto o próprio tinhoso que nele apareceu. A gente apanha na cirurgia, apanha na quimio, apanha na radio. Às vezes mais, às vezes menos, às vezes de todas, às vezes só de uma delas. Mas apanhar, apanha. Daí porque enfrentar o câncer é luta. Temos de reagir à pancadaria para botá-lo fora de combate, com disciplina e vontade, antes que ele nos mande a nocaute.
Quem me bateu mais no ringue do câncer foi a cirurgia e depois, a radioterapia. Perto delas, a quimio foi um cafuné. As duas me sequelaram geral. Nem vou descrever o tanto, porque você não terá tempo para ler. Mas foi muito. Se pudesse calibrar a dose, eu preferia que uma e outra fossem menos agressivas. Por isso mesmo, adorei conhecer uma especialidade médica que joga exatamente no meio de campo entre as duas e toca suave a bola para nós, pacientes. Eu ignorava que ela existia, não conhecia nem de nome, e presumo que você também não. Pois, então, seja bem-vindo à Radiologia Intervencionista.
Acompanhe a minha conversa com o Dr. Luiz Henrique de Oliveira Schiavon, um dos 17 médicos dessa especialidade no A.C.Camargo. Participou dela o Adão Boscolo, da comunicação e marketing do hospital, meu editor e parceiro nesta coluna. As traduções de termos técnicos são minhas.
Dr. Luiz, o que é a RI, radiologia intervencionista? O que ela significa para o paciente oncológico?
Ela é hoje um dos quatro pilares do tratamento. Tem a cirurgia oncológica, a quimioterapia, a radioterapia e a radiologia intervencionista. Muitos doentes que antes seriam submetidos a um procedimento cirúrgico, hoje passam para a radiologia intervencionista. E o que é ela? A gente utiliza os métodos de imagem que todos conhecem, como tomografia, ressonância magnética e ultrassom, para realizar procedimentos minimamente invasivos. São procedimentos através de drenos, agulhas, cateteres, os instrumentos menos calibrosos possíveis. A gente faz uma incisão da grossura de um lápis no doente.
Que procedimentos são feitos por RI?
Muitos. Por exemplo, os pacientes que são submetidos a cirurgias grandes, como uma hepatectomia (remoção de parte do fígado ou todo) ou uma pancreatectomia (idem, do pâncreas). Muitos deles complicam, apresentam abscessos, coleções intra-abdominais (líquidos acumulados). Antigamente, esses doentes eram submetidos a uma nova abordagem cirúrgica, o que aumentava o risco de infecções, complicações e morbidade. Hoje eles são encaminhados para radiologia intervencionista. A gente consegue passar drenos nessas coleções e, junto com a antibioticoterapia, o paciente é tratado sem precisar de uma nova cirurgia.
A RI, então, faz aquilo que pode ser feito sem cirurgia.
Sim. A gente realiza biópsias de nódulos pulmonares, nódulos hepáticos, lesões ósseas e outras, que antigamente eram feitas como biópsias incisionais, isto é, com operação. Além disso, conseguimos realizar algumas linhas de tratamento. Elas são muito específicas, mas têm eficácia muito próxima à da cirurgia. Pacientes que antigamente eram submetidos a ressecções de nódulos metastáticos no fígado ou no rim, sabidamente malignos, hoje são tratados com radiologia intervencionista. Usamos técnicas de ablação, termoablação, crioablação nesses casos (ablação é a remoção, vaporização, lascamento ou destruição de tecidos; pode ser feita também pelo calor ou frio). A eficácia é semelhante à do procedimento cirúrgico.
A grande vantagem da RI, então, é substituir a cirurgia.
A cirurgia e a internação. Além de toda a demora do procedimento cirúrgico em si, tem o pós-operatório. Às vezes são feitas incisões grandes, que acarretam um pós operatório arrastado, com dor, com risco de infecções, com pneumoperitônio (ar no abdomen), todas as nuances que esse período tem. Em contrapartida, durante um procedimento de RI, a incisão é mínima. A invasão do doente é mínima. Os riscos são reduzidos de maneira absurda e uma internação que levaria até uma semana passa a ser de 2 ou 3 dias, ou até de horas.
Algum exemplo disso?
O paciente que entrava no hospital para fazer uma biópsia pulmonar. Ele fazia uma toracotomia (abertura do tórax), tirava um pedaço do pulmão e a peça ia para a biópsia. No pós-operatório, esse doente ficava 4, 5 dias internado, para se recuperar do procedimento cirúrgico. Hoje ele entra no hospital, faz a biópsia por RI e, se nada ocorrer de complicação, ele sai no mesmo dia. Fica duas, três horas no hospital.
Como isso acontece?
O paciente faz uma sedação leve, entra na tomografia e a gente passa uma agulha nele, que chamamos de coaxial. É uma agulha-guia, que vai criar um caminho entre a pele e a lesão alvo. Essa agulha é oca por dentro. Por ela, passa outra agulha, ainda mais fina, que colhe os pedacinhos do nódulo. Com ela conseguimos acessar o nódulo com o mínimo de invasão do doente e de contaminação do caminho. Isso reduz o risco de sangramento e de disseminação de células neoplásicas, se o nódulo for maligno. Reduz também o risco de complicações como pneumotórax (ar no pulmão) e por aí vai.
E como funciona nos outros casos, que não o de pulmão?
Nós usamos aparelhos de ultrassom para fazer as biópsias de fígado e rim, e para fazer a drenagem de coleções abdominais. Passamos um dreno ali na região abdominal e tiramos uma coleção que esteja infectando, gerando dano para o paciente. Também passamos um dreno de nefrostomia, como chamamos, quando o paciente tem uma obstrução do rim por algum motivo. Pode ser um tumor, um cálculo, alguma coisa assim, que está criando uma hidronefrose (inchaço do rim), então é preciso tirar a urina retida antes que esse doente tenha perda da função renal. Guiados pelo ultrassom, a gente passa um dreno na pelve renal e desvia o fluxo da urina para uma bolsinha. O paciente mantém o fluxo de urina e tem a função renal preservada. Fazemos isso com ultrassom, que é um método de imagem bem simples, qualquer hospital no Brasil tem hoje um aparelho de ultrassom.
Outros exemplos?
Câncer de fígado. Os pacientes com nódulo hepático, carcinoma hepatocelular, não vão mais para a ressecção cirúrgica, se o tumor tiver até 3 cm. Vão para a ablação conosco. Isso já é consenso, porque a ablação por radiofrequência, por microondas, ela é tão efetiva quanto a ressecção. Não se justifica abrir o paciente. Outro procedimento igualmente efetivo é no osteoma esteroide, um tumor ósseo benigno, que dá em adulto jovem e em adolescente. Esse tumor é muito doloroso e geralmente aparece perto das articulações do joelho e da bacia. Os doentes apresentam uma dor absurda e operar a lesão é muito difícil, porque ela é próxima da placa de crescimento, no paciente adolescente. A ablação por radiofrequência já substituiu por completo essa opção. E também fazemos procedimentos paliativos, para controle da dor. Fazemos bloqueios, infiltrações intrarticulares para bloqueios de nervos que são responsáveis pela dor. Ou então fazemos a neurólise (destruição de nervos), química ou por radiofrequência, e o paciente para de sentir dor. Podemos realizar uma gama muito grande de procedimentos.
O radiologista intervencionista, então, é um especialista da radiologia que trata tumores de todas as outras especialidades médicas.
Exatamente. Ele precisa conhecer praticamente todas as especialidades. Precisa saber um pouquinho de neuro, para discutir com o neurocirurgião sobre uma vertebroplastia (injeção de cimento medicinal na coluna). Um pouquinho de hematologia, para um paciente com mieloma múltiplo. Precisa saber muito de anatomia, saber de trajetos vasculares, de complicações.
A Radiologia Intervencionista é uma especialidade muito rica em conteúdo e muito complexa. Mas, ao mesmo tempo, é muito empolgante você tirar um doente da cirurgia, tratar um doente que estava com dor. É uma especialidade que está sempre agregando novos procedimentos, crescendo, crescendo. Crescendo cada vez mais.
Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.
Fonte: A.C Camargo