Cuidados paliativos, para todas as horas

Cuidados paliativos, para todas as horas

 

“Fulano, coitado, ele já está nos cuidados paliativos”.

É pouco provável que você nunca tenha ouvido essa frase, ou outra parecida com ela, numa conversa sobre doença. O coitado seria uma pessoa muito enferma, já incurável, vivendo os seus últimos dias e entregue a cuidados médicos não para o salvamento impossível, mas para lhe dar amparo e conforto na hora final. Para o cidadão comum, leigo em medicina, “cuidados paliativos” significam apenas assistência ao paciente terminal. Mas eles são mais do que isso e coitados são os que têm receio deles, quando podem se beneficiar do que oferecem.

No início de maio, o Ministério da Saúde publicou uma portaria Instituindo a Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP) no SUS. Foi uma vitória importante dos médicos e profissionais do setor, os paliativistas, que há anos lutam para tirar o estigma que ainda pesa sobre a atividade e fazê-la conhecida pelo que, de fato, ela é: atenção em saúde, para melhorar a qualidade de vida de quem enfrenta doença grave, crônica ou em estágio avançado, e proporcionar uma experiência mais digna e confortável para pacientes, familiares e cuidadores.  

Muito mais do que assistência aos terminais, certo? Cuidados Paliativos são para todos que enfrentam as paradas mais duras no mundo das doenças, do início ao fim da jornada. Duras como são algumas, ou muitas, do nosso mundo oncológico. Paradas que sempre confiamos vencer, mas também podemos perder. É para aumentar as nossas chances que buscamos atendimento médico de ponta, como o do A.C.Camargo, que inclui os paliativistas. Eles são a turma que atua com mais foco no alívio da dor, no controle de sintomas e no apoio emocional aos oncológicos.

A partir do momento em que o paciente tenha uma doença ameaçadora da vida, ele pode ser atendido por Cuidados Paliativos. Quanto mais precoce for a nossa intervenção, mais a gente pode fazer por ele.

Ana Lúcia Teodoro, enfermeira e veterana na área, com 21 anos de paliativismo

“Os médicos tinham mais preconceito com o paliativismo”, ela conta. “Só encaminhavam o paciente para CP quando o caso já era realmente terminal. Hoje melhoramos muito nisso. Há um entendimento do papel cuidador que a nossa área pode desenvolver, desde o início do tratamento”.

Exemplo desse entendimento está nos médicos residentes. Atualmente, eles passam um mês trabalhando em Cuidados Paliativos, aprendendo os problemas que os profissionais dali enfrentam e como resolvem. “A gente tem de sensibilizar o médico de que ele tem uma equipe de suporte para as situações difíceis, os casos de controle mais complexo”, Ana Lúcia acredita. Nada melhor para isso que incutir a ideia já nos jovens em formação.

Mas ela vale para todo o corpo clínico, médicos residentes e titulares. Os paliativistas agora andam colados neles. Criaram o “Ambulatório Satélite”, um atendimento em rodízio de seus médicos e enfermeiros que, como diz o nome, gravita em torno de todos os Centros de Referência do hospital. A ideia é que sempre haja um paliativista presente em qualquer ambulatório, para apoiar os médicos especialistas e agilizar o encaminhamento dos pacientes aos seus cuidados.

O trabalho é feito com o monitoramento atento da situação clínica do paciente e o diálogo intensivo com ele. A meta é lhe dar qualidade de vida e consciência plena do que está se passando na sua saúde. ‘É muito importante orientar o paciente sobre o que ele vai enfrentar, no tratamento e depois dele, para que ele atravesse melhor toda a jornada”, diz Ana Lúcia.

Veja bem que a palavra é “orientar”. É assim porque a autonomia do paciente é um dos princípios de Cuidados Paliativos. Se houver dúvida sobre algum caminho na jornada, um impasse entre a orientação médica e o desejo do paciente, ele é quem decide o que vai fazer. A enfermeira experiente sabe que “uma das nossas funções é ajudá-lo a tomar as melhores decisões”. O que nem sempre acontece, infelizmente.

Ana Lúcia recorda o caso de uma mulher com câncer de mama que se recusou a fazer a ablação dos seios e interrompeu a quimioterapia, para não perder os cabelos. O caso dela tinha cura, se seguisse o tratamento. Mas ela teimou em priorizar a aparência e morreu, em razão do que decidiu. “São os valores de cada paciente, temos de respeitar”, resigna-se a paliativista. “Não estamos aqui para julgá-lo, mas ajudá-lo a tomar decisões. Nesse caso, perguntamos a ela se estava ciente do que aconteceria, com as suas escolhas. Ela disse que sim e decidiu. Era o que podíamos fazer.”

Enfim, há o problema do fim. O trabalho a fazer quando terminam as alternativas médicas e o paciente está na fase terminal. Nessa hora crucial, mas também em todas as outras, a comunicação é muito importante para quem faz Cuidados Paliativos. “A forma como você comunica as coisas, o momento, o ambiente, tudo interfere na resposta do paciente”, ensina Ana Lucia. “Especialmente quando você tem de cuidar do mais difícil, o tratamento que não resolve mais, a morte que se aproxima.”

Não é fácil para ninguém, o doente, a família e o pessoal de CP. Por isso, convém ao paliativista encontrar a medida certa de envolvimento emocional com o trabalho. “O paliativista não deve nem se envolver demais, nem de menos”, receita Ana Lúcia. “Se for demais, vai se envolver de forma pessoal e não vai conseguir enxergar as coisas de fora, diferente do que o paciente enxerga. Se for de menos, vai faltar humanização no contato com ele, o vínculo, a convivência, que é algo muito bom, uma experiência muito rica.”

Na hora final, os pacientes terminais sempre dizem o previsível, que não querem sofrer. Também pedem para retardar o fim, se esperam algum parente que está vindo para se despedir. Mas os desejos que expressam são os mais variados e o A.C.Camargo procura atender. Para isso, Cuidados Paliativos atuam em parceria com o setor de Experiência do Paciente, ambos tentando fazer o melhor possível.

Uma paciente quis casar, outro quis ser batizado. As cerimônias foram providenciadas. Um paciente já adulto era fanático pelo Mickey e Experiência do Paciente decorou com imagens e motivos do ratinho o quarto dele. Também foi buscar mensagem de conforto de um cantor adorado por outro paciente. “A nossa função nisso é trabalhar com os detalhes. Cada pequeno desejo ou necessidade do paciente é considerada”, resume Ana Lúcia.

Cuidados Paliativos. O nome diz tudo e é o conceito da coisa em si. Que bom que existam. Que bem eles fazem.

Sobre o autor

Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.

 

Fonte: A.C Camargo

 

“Fulano, coitado, ele já está nos cuidados paliativos”.

É pouco provável que você nunca tenha ouvido essa frase, ou outra parecida com ela, numa conversa sobre doença. O coitado seria uma pessoa muito enferma, já incurável, vivendo os seus últimos dias e entregue a cuidados médicos não para o salvamento impossível, mas para lhe dar amparo e conforto na hora final. Para o cidadão comum, leigo em medicina, “cuidados paliativos” significam apenas assistência ao paciente terminal. Mas eles são mais do que isso e coitados são os que têm receio deles, quando podem se beneficiar do que oferecem.

No início de maio, o Ministério da Saúde publicou uma portaria Instituindo a Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP) no SUS. Foi uma vitória importante dos médicos e profissionais do setor, os paliativistas, que há anos lutam para tirar o estigma que ainda pesa sobre a atividade e fazê-la conhecida pelo que, de fato, ela é: atenção em saúde, para melhorar a qualidade de vida de quem enfrenta doença grave, crônica ou em estágio avançado, e proporcionar uma experiência mais digna e confortável para pacientes, familiares e cuidadores.  

Muito mais do que assistência aos terminais, certo? Cuidados Paliativos são para todos que enfrentam as paradas mais duras no mundo das doenças, do início ao fim da jornada. Duras como são algumas, ou muitas, do nosso mundo oncológico. Paradas que sempre confiamos vencer, mas também podemos perder. É para aumentar as nossas chances que buscamos atendimento médico de ponta, como o do A.C.Camargo, que inclui os paliativistas. Eles são a turma que atua com mais foco no alívio da dor, no controle de sintomas e no apoio emocional aos oncológicos.

A partir do momento em que o paciente tenha uma doença ameaçadora da vida, ele pode ser atendido por Cuidados Paliativos. Quanto mais precoce for a nossa intervenção, mais a gente pode fazer por ele.

Ana Lúcia Teodoro, enfermeira e veterana na área, com 21 anos de paliativismo

“Os médicos tinham mais preconceito com o paliativismo”, ela conta. “Só encaminhavam o paciente para CP quando o caso já era realmente terminal. Hoje melhoramos muito nisso. Há um entendimento do papel cuidador que a nossa área pode desenvolver, desde o início do tratamento”.

Exemplo desse entendimento está nos médicos residentes. Atualmente, eles passam um mês trabalhando em Cuidados Paliativos, aprendendo os problemas que os profissionais dali enfrentam e como resolvem. “A gente tem de sensibilizar o médico de que ele tem uma equipe de suporte para as situações difíceis, os casos de controle mais complexo”, Ana Lúcia acredita. Nada melhor para isso que incutir a ideia já nos jovens em formação.

Mas ela vale para todo o corpo clínico, médicos residentes e titulares. Os paliativistas agora andam colados neles. Criaram o “Ambulatório Satélite”, um atendimento em rodízio de seus médicos e enfermeiros que, como diz o nome, gravita em torno de todos os Centros de Referência do hospital. A ideia é que sempre haja um paliativista presente em qualquer ambulatório, para apoiar os médicos especialistas e agilizar o encaminhamento dos pacientes aos seus cuidados.

O trabalho é feito com o monitoramento atento da situação clínica do paciente e o diálogo intensivo com ele. A meta é lhe dar qualidade de vida e consciência plena do que está se passando na sua saúde. ‘É muito importante orientar o paciente sobre o que ele vai enfrentar, no tratamento e depois dele, para que ele atravesse melhor toda a jornada”, diz Ana Lúcia.

Veja bem que a palavra é “orientar”. É assim porque a autonomia do paciente é um dos princípios de Cuidados Paliativos. Se houver dúvida sobre algum caminho na jornada, um impasse entre a orientação médica e o desejo do paciente, ele é quem decide o que vai fazer. A enfermeira experiente sabe que “uma das nossas funções é ajudá-lo a tomar as melhores decisões”. O que nem sempre acontece, infelizmente.

Ana Lúcia recorda o caso de uma mulher com câncer de mama que se recusou a fazer a ablação dos seios e interrompeu a quimioterapia, para não perder os cabelos. O caso dela tinha cura, se seguisse o tratamento. Mas ela teimou em priorizar a aparência e morreu, em razão do que decidiu. “São os valores de cada paciente, temos de respeitar”, resigna-se a paliativista. “Não estamos aqui para julgá-lo, mas ajudá-lo a tomar decisões. Nesse caso, perguntamos a ela se estava ciente do que aconteceria, com as suas escolhas. Ela disse que sim e decidiu. Era o que podíamos fazer.”

Enfim, há o problema do fim. O trabalho a fazer quando terminam as alternativas médicas e o paciente está na fase terminal. Nessa hora crucial, mas também em todas as outras, a comunicação é muito importante para quem faz Cuidados Paliativos. “A forma como você comunica as coisas, o momento, o ambiente, tudo interfere na resposta do paciente”, ensina Ana Lucia. “Especialmente quando você tem de cuidar do mais difícil, o tratamento que não resolve mais, a morte que se aproxima.”

Não é fácil para ninguém, o doente, a família e o pessoal de CP. Por isso, convém ao paliativista encontrar a medida certa de envolvimento emocional com o trabalho. “O paliativista não deve nem se envolver demais, nem de menos”, receita Ana Lúcia. “Se for demais, vai se envolver de forma pessoal e não vai conseguir enxergar as coisas de fora, diferente do que o paciente enxerga. Se for de menos, vai faltar humanização no contato com ele, o vínculo, a convivência, que é algo muito bom, uma experiência muito rica.”

Na hora final, os pacientes terminais sempre dizem o previsível, que não querem sofrer. Também pedem para retardar o fim, se esperam algum parente que está vindo para se despedir. Mas os desejos que expressam são os mais variados e o A.C.Camargo procura atender. Para isso, Cuidados Paliativos atuam em parceria com o setor de Experiência do Paciente, ambos tentando fazer o melhor possível.

Uma paciente quis casar, outro quis ser batizado. As cerimônias foram providenciadas. Um paciente já adulto era fanático pelo Mickey e Experiência do Paciente decorou com imagens e motivos do ratinho o quarto dele. Também foi buscar mensagem de conforto de um cantor adorado por outro paciente. “A nossa função nisso é trabalhar com os detalhes. Cada pequeno desejo ou necessidade do paciente é considerada”, resume Ana Lúcia.

Cuidados Paliativos. O nome diz tudo e é o conceito da coisa em si. Que bom que existam. Que bem eles fazem.

Sobre o autor

Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.

 

Fonte: A.C Camargo