A portaria 140, de 27 de fevereiro de 2014, redefine os critérios e parâmetros para organização, planejamento, monitoramento, controle e avaliação dos estabelecimentos de saúde habilitados na atenção especializada em oncologia e define as condições estruturais, de funcionamento e de recursos humanos para a habilitação destes estabelecimentos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Patrícia Sampaio Chueiri, coordenadora geral de Atenção as Pessoas com Doenças Crônicas do Departamento de Atenção Especializada e Temática da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde comenta as principais mudanças impostas pela portaria e os impactos dessa novidade para os hospitais e a população.
Confira a entrevista na íntegra:
– Como avalia a assistência oncológica SUS atualmente? Quais as principais dificuldades? E os desafios para 2015?
A atenção oncológica no Sistema Único de Saúde tem melhorado bastante nos últimos 15 anos. Houve um aumento importante no financiamento das cirurgias oncológicas, a inclusão de novos procedimentos diagnósticos, como o Pet CT no rol de procedimentos do SUS, e a compra centralizada de algumas medicações, o que gerou economia importante para o Ministério. Entre 2010 e 2013, houve aumento de mais de 20% na realização de radioterapia e quimioterapia, chegando a mais de 10 milhões de procedimentos radioterápicos e 2,7 milhões de quimioterapia. O trabalho com as secretarias estaduais para avançamos na organização regional da atenção oncológica também foi intensificada. No entanto, ainda há desafios a serem superados. O Ministério tem estudado formas para ampliar o acesso aos exames diagnósticos, acelerar o início do tratamento – com ação e qualificar o cuidado na oncologia, por exemplo, com ampliação dos cuidados paliativos.
– Quais são as principais mudanças propostas pela Portaria 140 no cenário atual?
A nova portaria ordenou a organização dos serviços de oncologia. A partir da norma, o hospital habilitado como UNACON ou CACON passa a ser uma referência para dos demais pontos de cuidado do sistema de saúde (unidades básicas de saúde, unidades de atenção especializada, urgências e emergências etc). Além de ampliar os parâmetros necessários da média complexidade, que permite que os hospitais ampliem o número de vagas para os exames diagnósticos como biopsias e escopias (endoscopias, colonoscopias, broncoscopia), a norma também define claramente como é feito o cálculo do impacto financeiro de uma habilitação em oncologia, aumentando ainda mais a transparência dos processos.
– Em sua opinião, quais os principais obstáculos para colocar em prática essas mudanças?
Temos dois grandes desafios e ambos tratam na sua essência de relações, conversas e, claro, compromisso com a saúde do cidadão. Uma delas é a conversa entre o gestor local com o prestador de serviços para conhecimento dos contratos que devem atender as necessidades dos cidadãos. Ambos precisam assumir compromissos para colocarmos as mudanças da portaria em prática. O outro desafio é ampliar a conversa entre as secretarias estaduais e as municipais, pois os serviços de oncologia são especializados, precisam ter escala (volume) e escopo (os especialistas nessa área devem estar no mesmo estabelecimento), para terem mais qualidade e serem também mais custo efetivos. Neste sentido, a maior parte dos municípios brasileiros não precisa e nem deve ter hospitais habilitados em oncologia, agora quase todas as regiões do país precisam ter um serviço especializado e para formarmos grandes regiões precisamos avançar no diálogo entre SMS e SES. Um último obstáculo que gostaria de destacar não é especificamente dos gestores dos SUS mas sim, da população brasileira, que é o de ampliar o financiamento que hoje a sociedade destina para o SUS que pela nossa constituição deve ser integral e universal.
– Como as instituições filantrópicas de combate ao câncer podem se preparar?
Atualmente, cerca de 60% dos serviços oncológicos ofertados no SUS vem de instituições privadas, na sua maioria filantrópicas, portanto elas tem um papel enorme na área da assistência a saúde. Acredito que um primeiro passo seria conhecer a portaria muito bem, verificar se estão adequados ao que está posto e caso tenham questões que precisem de adequações busquem mudá-las para não termos problemas no momento da reabilitação. Outra questão importante é procurar compor os comitês estaduais que estão organizando os planos de atenção oncológica em cada estado do Brasil e lá discutir suas possibilidades e limitações. Pois será neste fórum estadual ou regional que a maioria das questões serão resolvidas. Além disso, é importante que que assumam a responsabilidade por uma população e não apenas pelos casos que recebem, que se tornem uma referência para os municípios de uma região para além do tratamento , incluindo o diagnóstico e os cuidados paliativos.
– Como essas adaptações impactarão os hospitais em curto e longo prazo? E a população?
Acredito que o impacto seja muito positivo. A curto prazo, haverá necessidade de alguma reorganização local para se adequarem a nova lógica de redes de atenção a saúde da portaria. No entanto, a longo prazo, terão mais conhecimento da população sob sua responsabilidade e oportunidade de trabalhar em maior parceria com outros serviços de saúde, e poderão assim, ampliar sua capacidade de cuidado e seu financiamento e, consequentemente, obter melhores resultados nos indicadores de saúde relacionados a oncologia. Por exemplo: terão maior percentual de pacientes com diagnósticos em fases iniciais, com maior chance de sobrevida, diminuirão do tempo de espera para inicio o tratamento, a mortalidade, ampliarão os cuidados paliativos, entre outros, e claro maior reconhecimento da população e dos outros serviços de saúde da região.
– Qual sua expectativa para a rede de atenção a pessoa com câncer nos próximos anos?
Desde 2013, estamos trabalhando em parceria e apoio técnico com as SES para organização dos planos de atenção oncológica de todos os estados, e esse ano finaliza o prazo para a reabilitação dos 283 hospitais especializados em oncologia. A nossa expectativa é que todos se mobilizem para dar está lógica de redes de atenção a saúde que falei acima, a fim de atingirmos o cuidado mais integral, e possamos melhorar os fluxos de referências e contra referência e ainda agilizarmos o diagnóstico e o inicio do tratamento. O ano de 2015 será o ano também que o novo sistema de informação do câncer, o SISCAN, será consolidado, importante ferramenta para termos informações adequadas para tomada de decisão. Assim, 2015 será mais um ano de muito trabalho, mas também um tempo para colhermos os frutos que plantamos desde 2011, com o aumento do financiamento na área da oncologia, principalmente na área cirúrgica.