O futuro da oncologia por métodos genômicos e moleculares

O futuro da oncologia por métodos genômicos e moleculares

No Dia Nacional de Combate ao Câncer (27/11), uma conversa com a cientista e head do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular do A.C.Camargo, Dirce Carraro 

Sobre o futuro da oncologia em termos de prevenção e tratamento por análises genômicas: que avanços recentes a gente poderia destacar?
Eu destacaria vários aspectos. Primeiramente, os testes genéticos de predisposição ao câncer, que antigamente ocorriam de forma escalonada, começando pelos genes mais importantes ou mais associados às síndromes genéticas as quais o médico suspeitava. Se no teste não era detectada variante patogênica no gene analisado, o médico solicitava testes genéticos para outros genes, de forma escalonada. 

Hoje, com os avanços no sequenciamento e nos algoritmos de análise, os testes genéticos foram facilitados de forma substancial. Fazemos essas análises de forma mais rápida e muito mais barata. Os testes de genes individuais estão sendo substituídos por painéis gênicos, que aceleram a identificação da causa genética para o respectivo quadro clínico. 

Com o diagnóstico genético, o médico pode adotar medidas mais adequadas para o paciente, implementando, quando possível, medidas que previnem o câncer ou que favorecem o diagnóstico mais precoce. 

Além disso, a área de testes genéticos tem avançado também em outros aspectos. Há grandes avanços na identificação de novos genes de predisposição e na caracterização de novas síndromes de predisposição ao câncer. A transferência dos novos achados para a clínica vem acontecendo de forma bastante rápida. 

Um segundo aspecto?
É o avanço do desenho de drogas oncológicas com base no conhecimento genético/genômico dos tumores. Esses indicadores são gerados em pesquisas e organizados em bancos de dados, despertando o conhecimento das alterações que ativam ou inativam genes importantes no controle do crescimento celular. De forma simplificada, esse conhecimento gera subsídios para desenhar terapias com o intuito de bloquear, por exemplo, os genes ativados no tumor. Esse tipo de droga é denominado terapia-alvo, algo que tem mudado o cenário do tratamento de câncer de forma substancial. 

A utilização de terapias desse tipo está normalmente associada a um teste que avalia a presença de mutações no tumor do paciente para discriminar aqueles que teriam benefício no uso da terapia. Esse tipo de conduta já é uma realidade no cenário clínico, principalmente para os casos metastáticos. A tendência é que cada vez mais um número maior de tumores tenham opções terapêuticas desse tipo. 

Um terceiro aspecto teria a ver com a biópsia líquida no cenário clínico?
Sim, ela já é uma realidade em âmbitos ainda restritos, mas acredito que se tornará cada vez mais abrangente. Atualmente já se tem evidências muito robustas do DNA do tumor que é liberado na circulação, fazendo com que um simples teste possa detectar sua presença. Assim, biópsia líquida para avaliação de mutações específicas do tumor no DNA livre que está circulando no plasma é uma prática simples e precisa. Esse teste pode ser usado, por exemplo, para avaliar resposta de um tumor a um tratamento específico.

Sabe-se que um tumor pode sofrer alterações no repertório de mutações genéticas durante o tratamento. Para um tratamento mais preciso e mais personalizado, ter conhecimento dessas modificações é importante e permite, por exemplo, realizar ajustes no tratamento. Hoje, sabemos que o DNA do tumor que está circulando no plasma reflete o repertório genético do tumor como um todo. Assim, a avaliação de uma amostra de sangue pode poupar a rebiópsia do paciente, que é um processo muito invasivo e com muito mais riscos. Sua utilização tem se mostrado extremamente eficaz e de utilidade clínica bastante reconhecida. A tendência é aumentar a utilização desse método em vários cenários clínicos. 

Conte mais sobre o ctDNA, sobre o papel dessa biópsia líquida hoje e sua perspectiva para o futuro. 
O DNA tumoral circulante (ctDNA) está estabelecido na prática clínica, não só na parte de pesquisa, mas também no laboratório de diagnóstico genômico. Para câncer de pulmão, por exemplo, se monitora algumas alterações genéticas no plasma de pacientes submetidos a terapias dirigidas, trazendo ao clínico uma informação robusta sobre o aparecimento, por exemplo, de mutações de resistência ao tratamento que o paciente está sendo submetido, e, ao mesmo tempo, predizendo sensibilidade a outro tratamento. Com isso, o clínico consegue ajustar o tratamento.

A tendência é usar esse recurso em outros cenários clínicos. A marca tumoral (mutação) pode ser rastreada no DNA livre do plasma para monitorar recidiva tumoral, para monitorar progressão da doença entre outros cenários. Há dados na literatura muito consistentes mostrando que a biópsia líquida para avaliação de DNA tumoral circulante pode antecipar o diagnóstico de progressão. A tendência de sua utilização, no futuro, é trazer ao médico a possibilidade de acompanhar melhor o seu paciente.
 
Quais tumores vocês mais têm estudado? Há perspectivas que podemos ressaltar?
Temos vários projetos em que utilizamos a genômica como ferramenta para descobrir genes e vias alteradas em determinados tumores, casos de mama e tumor de Wilms, um tumor renal pediátrico. Em câncer de mama, estamos estudando o subtipo triplo negativo, que é mais agressivo e tem opções de tratamento mais restritas. Há ainda uma grande linha de pesquisa para identificar mecanismos de resistência ao tratamento usando biópsia líquida em vários tipos de tumores. Caracterizamos o perfil mutacional do tumor e monitoramos de forma personalizada essas marcas em DNA de fluidos corpóreos dos pacientes. O objetivo é também contribuir para identificar mecanismos de resistência, alterações genéticas associadas à resistência. 

Aconselhamento genético: quanto ele avançou nos últimos tempos? Como vislumbrar o futuro para esse serviço?
Os avanços na área da oncogenética tornaram o aconselhamento genético extremamente importante. Há profissionais excelentes no Brasil, mas eles são poucos, dada a grande demanda atual. 

Testes genéticos em BRCA 1 BRCA 2 são frequentes atualmente. Esses testes podem ser prescritos para avaliar risco aumentado para câncer de mama e ovário, mas também como opção terapêutica para câncer de ovário e triplo negativo em cenários bem específicos. Assim, a interação entre oncologistas clínicos, mastologistas e oncogeneticistas é superimportante para o acompanhamento adequado do paciente. 

Painéis genômicos: hoje, eles têm um papel maior na hora do diagnóstico ou do tratamento? Acha que eles podem avançar para qual caminho? 
A utilização de painéis gênicos já é uma realidade tanto para a avaliação de risco genético para o câncer como para a decisão terapêutica. A tendência é ampliar sua utilização na prática clínica cada vez mais. No entanto, sempre considerando a utilidade clínica da informação gerada. 

No Dia Nacional de Combate ao Câncer (27/11), uma conversa com a cientista e head do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular do A.C.Camargo, Dirce Carraro 

Sobre o futuro da oncologia em termos de prevenção e tratamento por análises genômicas: que avanços recentes a gente poderia destacar?
Eu destacaria vários aspectos. Primeiramente, os testes genéticos de predisposição ao câncer, que antigamente ocorriam de forma escalonada, começando pelos genes mais importantes ou mais associados às síndromes genéticas as quais o médico suspeitava. Se no teste não era detectada variante patogênica no gene analisado, o médico solicitava testes genéticos para outros genes, de forma escalonada. 

Hoje, com os avanços no sequenciamento e nos algoritmos de análise, os testes genéticos foram facilitados de forma substancial. Fazemos essas análises de forma mais rápida e muito mais barata. Os testes de genes individuais estão sendo substituídos por painéis gênicos, que aceleram a identificação da causa genética para o respectivo quadro clínico. 

Com o diagnóstico genético, o médico pode adotar medidas mais adequadas para o paciente, implementando, quando possível, medidas que previnem o câncer ou que favorecem o diagnóstico mais precoce. 

Além disso, a área de testes genéticos tem avançado também em outros aspectos. Há grandes avanços na identificação de novos genes de predisposição e na caracterização de novas síndromes de predisposição ao câncer. A transferência dos novos achados para a clínica vem acontecendo de forma bastante rápida. 

Um segundo aspecto?
É o avanço do desenho de drogas oncológicas com base no conhecimento genético/genômico dos tumores. Esses indicadores são gerados em pesquisas e organizados em bancos de dados, despertando o conhecimento das alterações que ativam ou inativam genes importantes no controle do crescimento celular. De forma simplificada, esse conhecimento gera subsídios para desenhar terapias com o intuito de bloquear, por exemplo, os genes ativados no tumor. Esse tipo de droga é denominado terapia-alvo, algo que tem mudado o cenário do tratamento de câncer de forma substancial. 

A utilização de terapias desse tipo está normalmente associada a um teste que avalia a presença de mutações no tumor do paciente para discriminar aqueles que teriam benefício no uso da terapia. Esse tipo de conduta já é uma realidade no cenário clínico, principalmente para os casos metastáticos. A tendência é que cada vez mais um número maior de tumores tenham opções terapêuticas desse tipo. 

Um terceiro aspecto teria a ver com a biópsia líquida no cenário clínico?
Sim, ela já é uma realidade em âmbitos ainda restritos, mas acredito que se tornará cada vez mais abrangente. Atualmente já se tem evidências muito robustas do DNA do tumor que é liberado na circulação, fazendo com que um simples teste possa detectar sua presença. Assim, biópsia líquida para avaliação de mutações específicas do tumor no DNA livre que está circulando no plasma é uma prática simples e precisa. Esse teste pode ser usado, por exemplo, para avaliar resposta de um tumor a um tratamento específico.

Sabe-se que um tumor pode sofrer alterações no repertório de mutações genéticas durante o tratamento. Para um tratamento mais preciso e mais personalizado, ter conhecimento dessas modificações é importante e permite, por exemplo, realizar ajustes no tratamento. Hoje, sabemos que o DNA do tumor que está circulando no plasma reflete o repertório genético do tumor como um todo. Assim, a avaliação de uma amostra de sangue pode poupar a rebiópsia do paciente, que é um processo muito invasivo e com muito mais riscos. Sua utilização tem se mostrado extremamente eficaz e de utilidade clínica bastante reconhecida. A tendência é aumentar a utilização desse método em vários cenários clínicos. 

Conte mais sobre o ctDNA, sobre o papel dessa biópsia líquida hoje e sua perspectiva para o futuro. 
O DNA tumoral circulante (ctDNA) está estabelecido na prática clínica, não só na parte de pesquisa, mas também no laboratório de diagnóstico genômico. Para câncer de pulmão, por exemplo, se monitora algumas alterações genéticas no plasma de pacientes submetidos a terapias dirigidas, trazendo ao clínico uma informação robusta sobre o aparecimento, por exemplo, de mutações de resistência ao tratamento que o paciente está sendo submetido, e, ao mesmo tempo, predizendo sensibilidade a outro tratamento. Com isso, o clínico consegue ajustar o tratamento.

A tendência é usar esse recurso em outros cenários clínicos. A marca tumoral (mutação) pode ser rastreada no DNA livre do plasma para monitorar recidiva tumoral, para monitorar progressão da doença entre outros cenários. Há dados na literatura muito consistentes mostrando que a biópsia líquida para avaliação de DNA tumoral circulante pode antecipar o diagnóstico de progressão. A tendência de sua utilização, no futuro, é trazer ao médico a possibilidade de acompanhar melhor o seu paciente.
 
Quais tumores vocês mais têm estudado? Há perspectivas que podemos ressaltar?
Temos vários projetos em que utilizamos a genômica como ferramenta para descobrir genes e vias alteradas em determinados tumores, casos de mama e tumor de Wilms, um tumor renal pediátrico. Em câncer de mama, estamos estudando o subtipo triplo negativo, que é mais agressivo e tem opções de tratamento mais restritas. Há ainda uma grande linha de pesquisa para identificar mecanismos de resistência ao tratamento usando biópsia líquida em vários tipos de tumores. Caracterizamos o perfil mutacional do tumor e monitoramos de forma personalizada essas marcas em DNA de fluidos corpóreos dos pacientes. O objetivo é também contribuir para identificar mecanismos de resistência, alterações genéticas associadas à resistência. 

Aconselhamento genético: quanto ele avançou nos últimos tempos? Como vislumbrar o futuro para esse serviço?
Os avanços na área da oncogenética tornaram o aconselhamento genético extremamente importante. Há profissionais excelentes no Brasil, mas eles são poucos, dada a grande demanda atual. 

Testes genéticos em BRCA 1 BRCA 2 são frequentes atualmente. Esses testes podem ser prescritos para avaliar risco aumentado para câncer de mama e ovário, mas também como opção terapêutica para câncer de ovário e triplo negativo em cenários bem específicos. Assim, a interação entre oncologistas clínicos, mastologistas e oncogeneticistas é superimportante para o acompanhamento adequado do paciente. 

Painéis genômicos: hoje, eles têm um papel maior na hora do diagnóstico ou do tratamento? Acha que eles podem avançar para qual caminho? 
A utilização de painéis gênicos já é uma realidade tanto para a avaliação de risco genético para o câncer como para a decisão terapêutica. A tendência é ampliar sua utilização na prática clínica cada vez mais. No entanto, sempre considerando a utilidade clínica da informação gerada.