É pra frente que se anda, na reabilitação

É pra frente que se anda, na reabilitação

O câncer é uma criatura muito apegada. A gente luta com todas as forças para mandá-lo ao quinto dos infernos e ele resiste o que pode. Quando vai finalmente embora, leva pedaços de alguns de nós, para matar saudades. E em todos ele deixa um sinal de sua passagem. Pequeno, médio ou grande, o sinal estará sempre ali, nos lembrando daquele intruso que veio sem ser convidado, em momento inoportuno, e disposto a acabar com a nossa festa.

Vamos chamar essas marcas pelo nome que elas realmente têm, sequelas. Com as pequenas, a gente se acostuma rápido e lida sozinho. Mas, para cuidar das médias e grandes, é necessário apoio profissional, sobretudo nos primeiros tempos, talvez por meses ou anos. É aí que entra a equipe de Reabilitação, que eu vi em ação quando me atendeu na internação, mas que agora eu conheci melhor, numa ótima conversa com a enfermeira Bárbara Alana Vizzacchi, supervisora da área de reabilitação, e com o Dr. Fábio Seiji Kuga, médico fisiatra que atua nesse time.

A Reabilitação do A.C.Camargo mobiliza mais de 100 profissionais, que atendem em todas as unidades de internação do hospital, e nas UTIs adulta e pediátrica. No final de 2022, ela ganhou um ambulatório próprio no conjunto da unidade Tamandaré, com uma estrutura completa com equipamentos, ginásio e sala de esteira. Atuam de maneira integrada na reabilitação do paciente as equipes de: Fonoaudiologia, Psicologia, NutriçãoFisioterapia, Odontologia, Práticas Integrativas, Grupos de Apoio e Serviço Social, essa para dar apoio à família do paciente. Além da Fisiatria, que atua em problemas de movimentação, alterações de sensibilidade, paralisias, dores crônicas, adaptação a próteses, e outras delícias do tratamento.

Eu quis saber qual é a freguesia principal da Reabilitação. Fábio me disse que todos os tipos de câncer geram demanda potencial à área, na medida em que o tratamento sempre debilita, de alguma forma, e pode gerar sequelas. Mas os cânceres atendidos mais frequentemente por lá são os do sistema nervoso central (que afetam a movimentação), os ósseos (que levam a amputações) e os de mama (que exigem ablação).

Todo paciente chega ansioso por uma reabilitação plena e rápida. Quer voltar logo a ter exatamente a condição física que tinha antes do câncer. Mas ele não se toca que nem sempre isso acontecerá. Algumas sequelas serão irreversíveis — e essa é uma realidade difícil de digerir. Só desce pela garganta aos poucos.

Para que as sequelas sejam as menores possíveis, a bola está conosco. Mais que importante, é essencial a participação ativa do oncológico na sua reabilitação. Reabilitar não é algo que a medicina faça pelo paciente, mas junto com ele. O esforço é conjunto. Mas aí entra uma questão que eu não esperava: a diferença de expectativas.

A perspectiva dos profissionais e a dos pacientes nem sempre coincide, sobre o que é importante reabilitar. Acontece às vezes do terapeuta ter uma meta e o paciente, outra, totalmente distinta. Fábio exemplifica: “A pessoa está com sequelas de movimento e você está preocupado fazê-la andar novamente, ajudá-la a recuperar uma função essencial. Mas ela diz que gostaria mesmo é de voltar a comer carne, recuperar a mastigação. Para ela, isso importa mais do que andar.”

Essa discrepância coloca um dilema para o profissional: fazer o que é melhor clinicamente para o paciente ou fazer o que paciente acha melhor? A intenção é sempre de fazer as duas coisas, claro. Oferecer a mais ampla reabilitação possível, do mais essencial ao menos. Mas a vontade do paciente é considerada, até porque é o atendimento dela que avalia a qualidade do trabalho de reabilitação.

O sucesso está em tentar obter o que o paciente deseja. É nisso que ele vai julgar se foi ou não bem atendido no seu tratamento. O paciente vem atrás de uma garantia que não é possível dar, porque cada organismo reage de um jeito. Um caso complexo pode ter reabilitação completa e um caso simples pode complicar. Garantia não é possível dar. Mas o que for prometido no tratamento, o profissional tem de dar, porque o paciente vai cobrar. A pressão para isso é constante.

Dr. Fábio Seiji Kuga, médico fisiatra

É um conflito inevitável entre expectativa e realidade que enfatiza o papel da Reabilitação. Não é só de gerenciar sequela. É de dar a melhor qualidade de vida ao paciente. Se não é possível eliminar todas as sequelas, porque algumas são irreversíveis, é possível encontrar a melhor forma de conviver com elas.

Bárbara Alana Vizzacchi, supervisora da área de reabilitação

O relacionamento entre paciente e reabilitador é longo e intenso. As chaves para que ele funcione são o acolhimento do profissional, sua capacidade de escuta, e a adesão do paciente, seu compromisso com a terapia. O profissional do AC Camargo está consciente da parte que lhe cabe. E nós, pacientes?

“Antes, a gente só avaliava as sequelas, o que conseguia na eliminação ou redução delas”, diz Bárbara. “Hoje, a gente avalia também a percepção do paciente, como ele sente que está vivendo a sua recuperação”. Fábio emenda: “É sempre mais fácil andar junto com o paciente. Não adianta o profissional tocar em frente, fazer o que acha que tem de ser feito, sem ouvi-lo. Às vezes tem de andar para o lado, junto com ele, e trazê-lo para seguir em frente.”

Então, caro colega, facilitemos as coisas para eles e para nós mesmos. Façamos a nossa parte direitinho. Vamos deixar essa coisa de andar de lado para os caranguejos. Nós somos os que andam em frente.

 

Fonte: A.C Camargo

O câncer é uma criatura muito apegada. A gente luta com todas as forças para mandá-lo ao quinto dos infernos e ele resiste o que pode. Quando vai finalmente embora, leva pedaços de alguns de nós, para matar saudades. E em todos ele deixa um sinal de sua passagem. Pequeno, médio ou grande, o sinal estará sempre ali, nos lembrando daquele intruso que veio sem ser convidado, em momento inoportuno, e disposto a acabar com a nossa festa.

Vamos chamar essas marcas pelo nome que elas realmente têm, sequelas. Com as pequenas, a gente se acostuma rápido e lida sozinho. Mas, para cuidar das médias e grandes, é necessário apoio profissional, sobretudo nos primeiros tempos, talvez por meses ou anos. É aí que entra a equipe de Reabilitação, que eu vi em ação quando me atendeu na internação, mas que agora eu conheci melhor, numa ótima conversa com a enfermeira Bárbara Alana Vizzacchi, supervisora da área de reabilitação, e com o Dr. Fábio Seiji Kuga, médico fisiatra que atua nesse time.

A Reabilitação do A.C.Camargo mobiliza mais de 100 profissionais, que atendem em todas as unidades de internação do hospital, e nas UTIs adulta e pediátrica. No final de 2022, ela ganhou um ambulatório próprio no conjunto da unidade Tamandaré, com uma estrutura completa com equipamentos, ginásio e sala de esteira. Atuam de maneira integrada na reabilitação do paciente as equipes de: Fonoaudiologia, Psicologia, NutriçãoFisioterapia, Odontologia, Práticas Integrativas, Grupos de Apoio e Serviço Social, essa para dar apoio à família do paciente. Além da Fisiatria, que atua em problemas de movimentação, alterações de sensibilidade, paralisias, dores crônicas, adaptação a próteses, e outras delícias do tratamento.

Eu quis saber qual é a freguesia principal da Reabilitação. Fábio me disse que todos os tipos de câncer geram demanda potencial à área, na medida em que o tratamento sempre debilita, de alguma forma, e pode gerar sequelas. Mas os cânceres atendidos mais frequentemente por lá são os do sistema nervoso central (que afetam a movimentação), os ósseos (que levam a amputações) e os de mama (que exigem ablação).

Todo paciente chega ansioso por uma reabilitação plena e rápida. Quer voltar logo a ter exatamente a condição física que tinha antes do câncer. Mas ele não se toca que nem sempre isso acontecerá. Algumas sequelas serão irreversíveis — e essa é uma realidade difícil de digerir. Só desce pela garganta aos poucos.

Para que as sequelas sejam as menores possíveis, a bola está conosco. Mais que importante, é essencial a participação ativa do oncológico na sua reabilitação. Reabilitar não é algo que a medicina faça pelo paciente, mas junto com ele. O esforço é conjunto. Mas aí entra uma questão que eu não esperava: a diferença de expectativas.

A perspectiva dos profissionais e a dos pacientes nem sempre coincide, sobre o que é importante reabilitar. Acontece às vezes do terapeuta ter uma meta e o paciente, outra, totalmente distinta. Fábio exemplifica: “A pessoa está com sequelas de movimento e você está preocupado fazê-la andar novamente, ajudá-la a recuperar uma função essencial. Mas ela diz que gostaria mesmo é de voltar a comer carne, recuperar a mastigação. Para ela, isso importa mais do que andar.”

Essa discrepância coloca um dilema para o profissional: fazer o que é melhor clinicamente para o paciente ou fazer o que paciente acha melhor? A intenção é sempre de fazer as duas coisas, claro. Oferecer a mais ampla reabilitação possível, do mais essencial ao menos. Mas a vontade do paciente é considerada, até porque é o atendimento dela que avalia a qualidade do trabalho de reabilitação.

O sucesso está em tentar obter o que o paciente deseja. É nisso que ele vai julgar se foi ou não bem atendido no seu tratamento. O paciente vem atrás de uma garantia que não é possível dar, porque cada organismo reage de um jeito. Um caso complexo pode ter reabilitação completa e um caso simples pode complicar. Garantia não é possível dar. Mas o que for prometido no tratamento, o profissional tem de dar, porque o paciente vai cobrar. A pressão para isso é constante.

Dr. Fábio Seiji Kuga, médico fisiatra

É um conflito inevitável entre expectativa e realidade que enfatiza o papel da Reabilitação. Não é só de gerenciar sequela. É de dar a melhor qualidade de vida ao paciente. Se não é possível eliminar todas as sequelas, porque algumas são irreversíveis, é possível encontrar a melhor forma de conviver com elas.

Bárbara Alana Vizzacchi, supervisora da área de reabilitação

O relacionamento entre paciente e reabilitador é longo e intenso. As chaves para que ele funcione são o acolhimento do profissional, sua capacidade de escuta, e a adesão do paciente, seu compromisso com a terapia. O profissional do AC Camargo está consciente da parte que lhe cabe. E nós, pacientes?

“Antes, a gente só avaliava as sequelas, o que conseguia na eliminação ou redução delas”, diz Bárbara. “Hoje, a gente avalia também a percepção do paciente, como ele sente que está vivendo a sua recuperação”. Fábio emenda: “É sempre mais fácil andar junto com o paciente. Não adianta o profissional tocar em frente, fazer o que acha que tem de ser feito, sem ouvi-lo. Às vezes tem de andar para o lado, junto com ele, e trazê-lo para seguir em frente.”

Então, caro colega, facilitemos as coisas para eles e para nós mesmos. Façamos a nossa parte direitinho. Vamos deixar essa coisa de andar de lado para os caranguejos. Nós somos os que andam em frente.

 

Fonte: A.C Camargo