Câncer e gravidez: uma relação complexa, mas possível

Câncer e gravidez: uma relação complexa, mas possível

Nesta edição da coluna “Câncer Sem Tabu & Com Ciência”, da Veja, Dr. Victor Piana, CEO do A.C.Camargo, e Dra. Solange Sanches, vice-líder do Centro de Referência em Tumores da Mama, explicam que o câncer tem acometido pessoas mais jovens, incluindo mulheres em idade fértil 

Clique aqui para conferir o artigo publicado


O câncer ainda mata muito mundo afora, cerca de 10 milhões de pessoas por ano. Mas também é verdade que ele mata cada vez menos. As pessoas passam pelo câncer, ressignificam suas vidas e continuam a trabalhar, estudar, sonhar… E engravidar, por que não?

O câncer tem acometido indivíduos mais jovens, por hábitos de vida como consumo de ultraprocessados desde a primeira infância, sedentarismo, fumo, álcool e infecções por vírus e bactérias que potencializam a genética de algumas famílias.

Antes considerado uma doença da terceira idade, já não é tão incomum ver tumores entre 40 e 50 anos.

A gravidez, por outro lado, tem acontecido cada vez mais tarde, fruto da vida urbana, carreiras mais exigentes e dificuldades para obter independência financeira. Hoje, muitas mulheres deixam para engravidar após os 40 anos, às vezes aos 45 anos, utilizando técnicas de reprodução assistida.

Em consequência da sobreposição de idades, o tema câncer e gravidez começa a se tornar um debate mais vivo e necessário.

Diagnóstico de câncer na gravidez

O câncer e a gravidez podem se aproximar em diferentes ocasiões.

A doença pode surgir na mulher quando ela está grávida. Neste cenário, os hormônios produzidos no período suprimem o sistema imune da mãe, e essa fragilização pode permitir a progressão para o câncer de células transformadas, mas que estavam sob controle.

Os mais comuns são aqueles causados por infecções virais, como o HPV e o Epstein Barr (EBV), que levam a tumores do colo uterino, da cavidade oral, nasofaringe e linfoma de Hodgkin.

Mas também enfrentamos câncer de mama, da tireoide e, mais raramente, outros tipos.

Estes casos se transformam num drama, uma mistura de sentimentos e precisam ser avaliados com cautela e ciência.

Porém, ao compreender os detalhes da agressividade da doença, o momento da gravidez e os riscos envolvidos, nasce um plano terapêutico integrado entre oncologista e obstetra, que visa preservar a saúde e os anos de vida da mãe e do bebê.

Tratamento do câncer na gravidez

Alguns tumores, como o da tireoide, podem, com muita frequência, esperar o parto para serem removidos sem prejuízo para a mãe e para o bebê.

Outros também podem aguardar, se a gestação estiver nas últimas semanas, mas há situações em que isso não é possível, e condutas cirúrgicas ou quimioterapia precisam ser feitas.
Nem todas as quimioterapias usadas para tratar a mãe trazem risco para o bebê, porque algumas não cruzam a barreira da placenta.

Quanto mais precoce o estágio da gravidez, em especial no primeiro trimestre, mais cuidados são necessários, porque não se deseja causar nenhum dano no momento de formação dos órgãos.

Analisando cada caso, a melhor decisão pode incluir induzir o parto antes das 40 semanas, para permitir que a mãe receba o quanto antes a quimioterapia, com mais chances de sucesso.

Nestas situações, também é importante avaliar se o bebê poderá, ou não, ser amamentado pela mãe em tratamento.

Bebê com câncer

Outra situação muito dramática é o nascimento de um bebê com câncer em uma mãe saudável.

O câncer é uma doença causada pelo acúmulo de mutações genéticas. Em situações muito específicas, as crianças podem já nascer com a doença, incluindo leucemias, neuroblastomas e sarcomas. Os tumores desta idade são de crescimento rápido, mas costumam responder bem ao tratamento se iniciado rápido.

Engravidar depois do câncer

Mais comum do que as duas situações acima é o desejo de engravidar após ter passado pelo tratamento da doença.

Pacientes acima de 35 anos apresentam naturalmente uma queda da fertilidade que pode ser agravada pela administração da quimioterapia. Portanto, na elaboração do plano terapêutico, é importante discutir o desejo de engravidar no futuro.

Tecnicamente, é possível a coleta e preservação de gametas (células reprodutivas) das crianças e adolescentes, dos homens que farão remoção do testículo ou das mulheres que se submeterão à cirurgia ou radioterapia para tratar tumor ginecológico, ou ainda nos casos de quimioterapia em qualquer tumor.

Isto amplia a equipe de cuidado e requer uma coordenação para que a coleta dos óvulos ou espermatozoides aconteça em poucos dias, e se inicie o tratamento oncológico o quanto antes.

O caso do câncer de mama

Para alguns tumores de mama, o tratamento pode se prolongar com hormonioterapia por até 10 anos após a quimioterapia.

Até muito recentemente, não havia dados científicos robustos que demonstrassem a segurança para a mãe em interromper a hormonioterapia para engravidar.

Recentemente, contudo, um artigo publicado na revista The New England Journal of Medicine mostrou pela primeira vez que interromper a hormonioterapia usada para tratar o câncer de mama para engravidar e retomar após o parto é seguro do ponto de vista do controle oncológico.

As mulheres deste estudo, divulgado em maio de 2023, tinham até 42 anos (média 37 anos), e eram portadoras de câncer de mama nos estágios I, II ou III que receberam hormonioterapia por 18 a 30 meses (média 29 meses) e desejavam engravidar.

Ao todo, 497 mulheres foram acompanhadas, 74% delas conseguiram engravidar e 64% delas tiveram o parto com sucesso. Em três anos, 8,9% delas passaram pela volta do câncer, mas, no grupo controle, que não interrompeu a imunoterapia para engravidar, esta taxa foi de 9,2%. Ou seja, a interrupção para engravidar não acrescentou risco para as mulheres.

Os autores reconhecem que o estudo continha muitas mulheres com tumores precoces, e ainda é preciso seguir estas pacientes por mais tempo, para garantir a segurança no longo prazo também.

Entretanto, este é um dado forte e traz esperança para muitas mulheres portadoras de câncer de mama diagnosticadas em idade jovem que desejam engravidar.

O câncer de mama diagnosticado em estágio I tem sobrevida com qualidade de vida plena em mais de 98% dos casos. Engravidar é possível e seguro após o câncer.

Sem saber desta informação, muitas mulheres desistem deste sonho e agora os oncologistas podem encorajá-las neste sentido.

Gravidez e câncer é um tema de alta complexidade e repleto de emoções, que precisa ser acompanhado por vários especialistas habituados tanto com oncologia quanto com gestação de alto risco.

Mas é possível, sim, transformar câncer e gravidez em felicidade e esperança.

 

Fonte: A.C Camargo

Nesta edição da coluna “Câncer Sem Tabu & Com Ciência”, da Veja, Dr. Victor Piana, CEO do A.C.Camargo, e Dra. Solange Sanches, vice-líder do Centro de Referência em Tumores da Mama, explicam que o câncer tem acometido pessoas mais jovens, incluindo mulheres em idade fértil 

Clique aqui para conferir o artigo publicado


O câncer ainda mata muito mundo afora, cerca de 10 milhões de pessoas por ano. Mas também é verdade que ele mata cada vez menos. As pessoas passam pelo câncer, ressignificam suas vidas e continuam a trabalhar, estudar, sonhar… E engravidar, por que não?

O câncer tem acometido indivíduos mais jovens, por hábitos de vida como consumo de ultraprocessados desde a primeira infância, sedentarismo, fumo, álcool e infecções por vírus e bactérias que potencializam a genética de algumas famílias.

Antes considerado uma doença da terceira idade, já não é tão incomum ver tumores entre 40 e 50 anos.

A gravidez, por outro lado, tem acontecido cada vez mais tarde, fruto da vida urbana, carreiras mais exigentes e dificuldades para obter independência financeira. Hoje, muitas mulheres deixam para engravidar após os 40 anos, às vezes aos 45 anos, utilizando técnicas de reprodução assistida.

Em consequência da sobreposição de idades, o tema câncer e gravidez começa a se tornar um debate mais vivo e necessário.

Diagnóstico de câncer na gravidez

O câncer e a gravidez podem se aproximar em diferentes ocasiões.

A doença pode surgir na mulher quando ela está grávida. Neste cenário, os hormônios produzidos no período suprimem o sistema imune da mãe, e essa fragilização pode permitir a progressão para o câncer de células transformadas, mas que estavam sob controle.

Os mais comuns são aqueles causados por infecções virais, como o HPV e o Epstein Barr (EBV), que levam a tumores do colo uterino, da cavidade oral, nasofaringe e linfoma de Hodgkin.

Mas também enfrentamos câncer de mama, da tireoide e, mais raramente, outros tipos.

Estes casos se transformam num drama, uma mistura de sentimentos e precisam ser avaliados com cautela e ciência.

Porém, ao compreender os detalhes da agressividade da doença, o momento da gravidez e os riscos envolvidos, nasce um plano terapêutico integrado entre oncologista e obstetra, que visa preservar a saúde e os anos de vida da mãe e do bebê.

Tratamento do câncer na gravidez

Alguns tumores, como o da tireoide, podem, com muita frequência, esperar o parto para serem removidos sem prejuízo para a mãe e para o bebê.

Outros também podem aguardar, se a gestação estiver nas últimas semanas, mas há situações em que isso não é possível, e condutas cirúrgicas ou quimioterapia precisam ser feitas.
Nem todas as quimioterapias usadas para tratar a mãe trazem risco para o bebê, porque algumas não cruzam a barreira da placenta.

Quanto mais precoce o estágio da gravidez, em especial no primeiro trimestre, mais cuidados são necessários, porque não se deseja causar nenhum dano no momento de formação dos órgãos.

Analisando cada caso, a melhor decisão pode incluir induzir o parto antes das 40 semanas, para permitir que a mãe receba o quanto antes a quimioterapia, com mais chances de sucesso.

Nestas situações, também é importante avaliar se o bebê poderá, ou não, ser amamentado pela mãe em tratamento.

Bebê com câncer

Outra situação muito dramática é o nascimento de um bebê com câncer em uma mãe saudável.

O câncer é uma doença causada pelo acúmulo de mutações genéticas. Em situações muito específicas, as crianças podem já nascer com a doença, incluindo leucemias, neuroblastomas e sarcomas. Os tumores desta idade são de crescimento rápido, mas costumam responder bem ao tratamento se iniciado rápido.

Engravidar depois do câncer

Mais comum do que as duas situações acima é o desejo de engravidar após ter passado pelo tratamento da doença.

Pacientes acima de 35 anos apresentam naturalmente uma queda da fertilidade que pode ser agravada pela administração da quimioterapia. Portanto, na elaboração do plano terapêutico, é importante discutir o desejo de engravidar no futuro.

Tecnicamente, é possível a coleta e preservação de gametas (células reprodutivas) das crianças e adolescentes, dos homens que farão remoção do testículo ou das mulheres que se submeterão à cirurgia ou radioterapia para tratar tumor ginecológico, ou ainda nos casos de quimioterapia em qualquer tumor.

Isto amplia a equipe de cuidado e requer uma coordenação para que a coleta dos óvulos ou espermatozoides aconteça em poucos dias, e se inicie o tratamento oncológico o quanto antes.

O caso do câncer de mama

Para alguns tumores de mama, o tratamento pode se prolongar com hormonioterapia por até 10 anos após a quimioterapia.

Até muito recentemente, não havia dados científicos robustos que demonstrassem a segurança para a mãe em interromper a hormonioterapia para engravidar.

Recentemente, contudo, um artigo publicado na revista The New England Journal of Medicine mostrou pela primeira vez que interromper a hormonioterapia usada para tratar o câncer de mama para engravidar e retomar após o parto é seguro do ponto de vista do controle oncológico.

As mulheres deste estudo, divulgado em maio de 2023, tinham até 42 anos (média 37 anos), e eram portadoras de câncer de mama nos estágios I, II ou III que receberam hormonioterapia por 18 a 30 meses (média 29 meses) e desejavam engravidar.

Ao todo, 497 mulheres foram acompanhadas, 74% delas conseguiram engravidar e 64% delas tiveram o parto com sucesso. Em três anos, 8,9% delas passaram pela volta do câncer, mas, no grupo controle, que não interrompeu a imunoterapia para engravidar, esta taxa foi de 9,2%. Ou seja, a interrupção para engravidar não acrescentou risco para as mulheres.

Os autores reconhecem que o estudo continha muitas mulheres com tumores precoces, e ainda é preciso seguir estas pacientes por mais tempo, para garantir a segurança no longo prazo também.

Entretanto, este é um dado forte e traz esperança para muitas mulheres portadoras de câncer de mama diagnosticadas em idade jovem que desejam engravidar.

O câncer de mama diagnosticado em estágio I tem sobrevida com qualidade de vida plena em mais de 98% dos casos. Engravidar é possível e seguro após o câncer.

Sem saber desta informação, muitas mulheres desistem deste sonho e agora os oncologistas podem encorajá-las neste sentido.

Gravidez e câncer é um tema de alta complexidade e repleto de emoções, que precisa ser acompanhado por vários especialistas habituados tanto com oncologia quanto com gestação de alto risco.

Mas é possível, sim, transformar câncer e gravidez em felicidade e esperança.

 

Fonte: A.C Camargo