Paciente deve entender opções de tratamentos e ajudar a coibir erros
O Código de Ética Médica, que todo médico é obrigado a cumprir, é bem claro: o profissional tem que esclarecer o paciente sobre procedimentos a serem realizados, tratamentos a serem seguidos, remédios a serem tomados.
Após uma explicação clara de benefícios, riscos e alternativas, cabe ao paciente, ou a seus familiares, escolher o que fazer.
Mas isso é possível nos escassos minutos de uma consulta no sistema público ou em médicos de convênio? A julgar pelas reclamações de pacientes, não.
O mais comum é uma relação autocrática, em que o médico diz o que deve ser feito, e o paciente se submete.
A chamada medicina compartilhada, em que as decisões são tomadas conjuntamente pelo médico e pelo paciente, é um ideal perseguido em todo o mundo. Não apenas por questões éticas, mas também práticas.
O paciente bem informado sobre o tratamento e que, conscientemente decidiu adotá-lo, tende a segui-lo de forma correta, o que aumenta os índices de cura.
Os entraves aparecem na seguinte ordem: falta de tempo (no sistema público, há consultas que não chegam a 5 minutos, e mesmo médicos particulares alegam trabalhar em vários hospitais para encurtar o atendimento e agendam quatro ou mais consultas numa hora); falta de habilidade do médico para se comunicar de forma clara; falta de compreensão por parte dos pacientes.
“Muitos pacientes reclamam que os médicos não tocam neles, não conversam, não explicam o diagnóstico nem o tratamento. Depois, há a reclamação de que esses pacientes abandonam o tratamento. O médico precisa ter o doente como aliado, e só consegue isso com informação, com convencimento de que o caminho que está indicando é o melhor e realmente necessário”, afirma Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia) e da Abasta (Associação Brasileira de Talassemia).
Merula fala com conhecimento de causa. Há mais de 40 anos convive com uma doença crônica (a talassemia), diagnosticada aos 2 anos, quando os médicos informaram sua família que ela teria poucos anos de vida. “Mesmo eu, às vezes, penso em relaxar o tratamento. Mas aí vale a relação com o médico, que sabe envolver até minha família para me incentivar”, afirma.
Para o presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), o psiquiatra Mauro Aranha, o problema não é o tempo das consultas, mas a falta de um vínculo maior entre médico e paciente. “No Brasil, a ênfase está na medicina curativa. A pessoa só procura um médico quando os sintomas já são graves. Aí, vai ao pronto atendimento, e cada dia fala com um profissional diferente. Não há continuidade. E, sem isso, não há como construir uma relação de confiança”, afirma.
Com experiência de 35 anos de consultório, o geriatra Eduardo Carlos Ferraro vai na mesma linha e aponta que o problema não se restringe ao sistema público, ocorre também com os usuários de planos de saúde, que alcançam um em cada quatro brasileiros.
“É preciso que exista uma relação de confiança entre o médico e o paciente, até para que seja profícua essa discussão sobre terapêutica. Mas isso está cada vez mais difícil porque o paciente não é mais do médico, é do convênio. A pessoa escolhe o médico não por indicação de alguém ou por conhecê-lo, mas se ele atende no seu convênio e se é perto da sua casa.
Ao mudar de convênio, ou se o médico se descredenciar, acabou a relação”, afirma Ferraro.
“A relação médico-paciente se desenvolve com o tempo. É preciso conhecer bem a pessoa, fazer as perguntas certas. E não só sobre a doença, mas sobre o indivíduo. Só assim se posse oferecer um tratamento ideal. Depois, é preciso explicá-lo, para que a pessoa entenda que é o melhor e se comprometa a segui-lo”, diz.
Respeitar e incentivar a autonomia do paciente na hora de definir tratamentos e medicamentos também traria mais transparência à medicina e inibiria práticas aéticas e criminosas como as da “máfia das próteses” (médicos recebiam de fabricantes de próteses e órteses para indicar cirurgias e colocação dessas peças em pacientes que não as necessitavam) e de hospitais que premiam médicos que solicitam mais exames ou outros procedimentos, o que gera mais lucro para a instituição.
Há também relatos de médicos que recebem de laboratórios para receitar seus remédios em vez de similares mais baratos.
“O paciente precisa perguntar. Não pode sair de uma consulta com dúvidas. Deve pedir explicações sobre o diagnóstico, os exames pedidos, se há alternativas de tratamento ou remédio, e o médico precisa dar opções”, afirma Florentino Cardoso, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira).
Pensando nisso, a Agency for Healthcare Research and Quality, ligada ao Departamento de Saúde do governo americano, preparou uma espécie de cartilha para ajudar os pacientes a questionar os médicos.
Muitas perguntas são óbvias —como: para que serve o exame que o terei que fazer? O que pode detectar, mas funcionam como um roteiro para abordar os médicos.
“O paciente deve perguntar, sim. E o médico não vai ficar irritado. Não pode haver dúvidas de que médico e paciente têm um interesse comum, que é a cura”, afirma o presidente do Cremesp.
Também vale buscar uma segunda ou terceira opinião antes de se submeter a um tratamento não rotineiro.
“O paciente não pode ter medo do médico, e os médicos precisam deixar os pacientes mais à vontade. Precisam também deixar de lado os termos técnicos e usar uma linguagem clara para leigos. Além disso, nós, na AMB, incentivamos as pessoas a procurarem uma segunda ou terceira opinião quando estiverem com dúvidas, inseguras”, diz Cardoso.
É consenso que, se médicos e pacientes seguirem essas receitas, reduzem-se as chances das ações de máfias, de erros e de desperdícios na saúde.
Fonte: Folha de São Paulo
O Código de Ética Médica, que todo médico é obrigado a cumprir, é bem claro: o profissional tem que esclarecer o paciente sobre procedimentos a serem realizados, tratamentos a serem seguidos, remédios a serem tomados.
Após uma explicação clara de benefícios, riscos e alternativas, cabe ao paciente, ou a seus familiares, escolher o que fazer.
Mas isso é possível nos escassos minutos de uma consulta no sistema público ou em médicos de convênio? A julgar pelas reclamações de pacientes, não.
O mais comum é uma relação autocrática, em que o médico diz o que deve ser feito, e o paciente se submete.
A chamada medicina compartilhada, em que as decisões são tomadas conjuntamente pelo médico e pelo paciente, é um ideal perseguido em todo o mundo. Não apenas por questões éticas, mas também práticas.
O paciente bem informado sobre o tratamento e que, conscientemente decidiu adotá-lo, tende a segui-lo de forma correta, o que aumenta os índices de cura.
Os entraves aparecem na seguinte ordem: falta de tempo (no sistema público, há consultas que não chegam a 5 minutos, e mesmo médicos particulares alegam trabalhar em vários hospitais para encurtar o atendimento e agendam quatro ou mais consultas numa hora); falta de habilidade do médico para se comunicar de forma clara; falta de compreensão por parte dos pacientes.
“Muitos pacientes reclamam que os médicos não tocam neles, não conversam, não explicam o diagnóstico nem o tratamento. Depois, há a reclamação de que esses pacientes abandonam o tratamento. O médico precisa ter o doente como aliado, e só consegue isso com informação, com convencimento de que o caminho que está indicando é o melhor e realmente necessário”, afirma Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia) e da Abasta (Associação Brasileira de Talassemia).
Merula fala com conhecimento de causa. Há mais de 40 anos convive com uma doença crônica (a talassemia), diagnosticada aos 2 anos, quando os médicos informaram sua família que ela teria poucos anos de vida. “Mesmo eu, às vezes, penso em relaxar o tratamento. Mas aí vale a relação com o médico, que sabe envolver até minha família para me incentivar”, afirma.
Para o presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), o psiquiatra Mauro Aranha, o problema não é o tempo das consultas, mas a falta de um vínculo maior entre médico e paciente. “No Brasil, a ênfase está na medicina curativa. A pessoa só procura um médico quando os sintomas já são graves. Aí, vai ao pronto atendimento, e cada dia fala com um profissional diferente. Não há continuidade. E, sem isso, não há como construir uma relação de confiança”, afirma.
Com experiência de 35 anos de consultório, o geriatra Eduardo Carlos Ferraro vai na mesma linha e aponta que o problema não se restringe ao sistema público, ocorre também com os usuários de planos de saúde, que alcançam um em cada quatro brasileiros.
“É preciso que exista uma relação de confiança entre o médico e o paciente, até para que seja profícua essa discussão sobre terapêutica. Mas isso está cada vez mais difícil porque o paciente não é mais do médico, é do convênio. A pessoa escolhe o médico não por indicação de alguém ou por conhecê-lo, mas se ele atende no seu convênio e se é perto da sua casa.
Ao mudar de convênio, ou se o médico se descredenciar, acabou a relação”, afirma Ferraro.
“A relação médico-paciente se desenvolve com o tempo. É preciso conhecer bem a pessoa, fazer as perguntas certas. E não só sobre a doença, mas sobre o indivíduo. Só assim se posse oferecer um tratamento ideal. Depois, é preciso explicá-lo, para que a pessoa entenda que é o melhor e se comprometa a segui-lo”, diz.
Respeitar e incentivar a autonomia do paciente na hora de definir tratamentos e medicamentos também traria mais transparência à medicina e inibiria práticas aéticas e criminosas como as da “máfia das próteses” (médicos recebiam de fabricantes de próteses e órteses para indicar cirurgias e colocação dessas peças em pacientes que não as necessitavam) e de hospitais que premiam médicos que solicitam mais exames ou outros procedimentos, o que gera mais lucro para a instituição.
Há também relatos de médicos que recebem de laboratórios para receitar seus remédios em vez de similares mais baratos.
“O paciente precisa perguntar. Não pode sair de uma consulta com dúvidas. Deve pedir explicações sobre o diagnóstico, os exames pedidos, se há alternativas de tratamento ou remédio, e o médico precisa dar opções”, afirma Florentino Cardoso, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira).
Pensando nisso, a Agency for Healthcare Research and Quality, ligada ao Departamento de Saúde do governo americano, preparou uma espécie de cartilha para ajudar os pacientes a questionar os médicos.
Muitas perguntas são óbvias —como: para que serve o exame que o terei que fazer? O que pode detectar, mas funcionam como um roteiro para abordar os médicos.
“O paciente deve perguntar, sim. E o médico não vai ficar irritado. Não pode haver dúvidas de que médico e paciente têm um interesse comum, que é a cura”, afirma o presidente do Cremesp.
Também vale buscar uma segunda ou terceira opinião antes de se submeter a um tratamento não rotineiro.
“O paciente não pode ter medo do médico, e os médicos precisam deixar os pacientes mais à vontade. Precisam também deixar de lado os termos técnicos e usar uma linguagem clara para leigos. Além disso, nós, na AMB, incentivamos as pessoas a procurarem uma segunda ou terceira opinião quando estiverem com dúvidas, inseguras”, diz Cardoso.
É consenso que, se médicos e pacientes seguirem essas receitas, reduzem-se as chances das ações de máfias, de erros e de desperdícios na saúde.
Fonte: Folha de São Paulo